"LAU NAU
Escritora de canções finlandesa, que vem ao longo da última década a explorar e trabalhar sobre as formas de vocabulários musicais - poder-se-á dizer - indígenas dessa cultura, e o jeito como se podem agregar a tradições do resto do Ocidente. Lau Nau tem tido um percurso marcado por esta atracão magnética ao exterior, mas a vários níveis alicerçada numa muito forte comunidade de músicos e artistas de vários campos baseada nas principais cidades finlandesas. Foi a partir desses laços que, de resto, uma geração de criadores despontou para os radares internacionais em meados da década passada, e que desde então continua, de maneira autossustentada, a se desenvolver. De resto, um dos maiores dínamos desta operação contínua, permanece a ser a editora Fonal Records, que novamente publica o mais recente trabalho da cantora, compositora e instrumentista. 'Valohiukkanen' é a primeira aproximação mais marcada de Lau Nau a trabalhos com uma orquestração e produções mais ambiciosas, já vem longe - no que ao ornamento e à escala dizem respeito - dos seus primórdios de gravações consciente e construtivamente amadoras. Ótima ocasião, portanto, para vermos por onde passam hoje em dia as movimentações da mais rebelde e organizada comunidade de escritores de canções da Escandinávia contemporânea, aqui representada por uma das suas figuras mais emblemáticas.
CHRIS CORSANO
Baterista e percussionista que irrompeu na áreas e nos interstícios do jazz, do rock avant-garde e da música improvisada há mais de uma década, Chris Corsano tem criado um impressionante trabalho, em palco e registo gravado. Surgindo em igual medida da tradição punk/rock mais esclarecida do final dos anos 80 e início dos anos 90, foi, contudo, talvez o free jazz feito após o desaparecimento de John Coltrane e Albert Ayler, que mais acaba por formar a espinha do trabalho de Corsano, nas figuras de bateristas visionários como Milford Graves, Rashied Ali, Rashied Sinan ou Beaver Harris. Tem mantido trabalhos regulares com grandes sopristas desta tradição, como são os casos de Paul Flaherty, Joe McPhee ou Evan Parker, encontrando também espaço para colaborações com Thurston Moore, Tony Conrad ou a própria Bjork, artista que acompanhou durante cerca de dois anos. Os seus solos, documentados na sua própria editora, são um verdadeiro tratado sobre todas as propriedades expressivas, tímbricas, frásicas dos materiais técnicos e poéticos que a bateria oferece, e que nas suas mãos, são campo infinito para música de êxtase e descoberta constante.
MDOU MOCTAR
No concorrido campeonato de guitarristas Tuareg, Mdou Moctar distingue-se com certeza dos seus contemporâneos. Ele é um dos poucos escritores de canções e intérprete decidido a experimentar e a fazer progredir o género, e as suas estratégias estéticas pouco ortodoxas têm-lhe conquistado cada vez mais seguidores tanto no Níger como além-fronteiras. Mdou é originário de Abalak, no deserto Azawagh do Níger, e é um autodidata desde tenra idade vidrado na guitarra. O seu primeiro album ‘Anar’ foi gravado na Nigéria em 2008, uma coleção vibrante de temas com profuso uso de autotune na voz. O álbum nunca foi oficialmente editado mas as canções tornaram-se um sucesso popular no Sahel – a faixa territorial de costa a costa de África, divisionária do deserto do Sahara a norte e a savana sudanesa a sul – através de redes de partilha de música em telemóveis. ‘Tahoultine’, uma das faixas mais emblemáticas, foi mais tarde incluída na compilação ‘Music from Saharan Cellphones: Volume 1’, editada pela Sahel Sounds, o que fez expandir o culto na Europa e Estados Unidos. A mesma editora lançou em 2013 ‘Afelan’, o primeiro álbum com distribuição internacional de Mdou, gravado ao vivo no Níger, em que surpreende pela crueza e ferocidade do trabalho de guitarra elétrica, ancorada por doces melodias de folk do Sahara. Atualmente encontra-se envolvido como ator principal na produção do primeiro filme falado numa língua Tuareg, numa ficção sobre a contenda de um guitarrista para se afirmar entre pares, enquanto anda pelo deserto numa moto púrpura.
JOSEPHINE FOSTER
Música, vocalista e escritora de canções norte-americana excecional e de percurso igualmente invulgar e independente, atualmente sediada na nossa vizinha Andaluzia. Cantora lírica de formação, dá por si a iniciar o seu percurso público autoral em Chicago vinda do estado do Colorado, a tocar uma canção que vinha tanto do amor pelo repertório da música clássica europeia, dos maravilhosos exemplos dos músicos dos espetáculos de variedades norte-americanos da viragem para o séc. XX, de Karen Dalton, Shirley Collins e de alguns das mais doces pérolas da cultura psicadélica, entre milhentas outras singulares referências. Não soava, nem soa hoje (cada vez menos, aliás) a nenhuma referência exata. Depois de um par de discos de tiragem altamente caseira, lança o glorioso álbum homónimo do duo Born Heller, com o hoje reputado baixista Jason Ajemian. Nesse documento, víamos já as características que ainda hoje a distinguem – as suas noções de espaço, respiração, dinâmica, métrica e desenho melódico completamente aparte e de equilíbrio harmónico desarmante.
Após estreia a solo em maior escala, com 'Hazel Eyes, I Will Lead You' (Locust, 2005) passa por um disco em trio de acid rock discordante; um álbum de lieder de Schubert, Schumann e Brahms, escolhidas a dedo; o regresso à base com 'This Coming Gladness'; em 'Graphic As a Star' pega nos colossais poemas de Emily Dickinson, musicando-os; em 2010 fez um álbum com o seu companheiro Victor Herrero e a sua banda, inteiramente dedicado ao cancioneiro de Lorca, banido em Espanha em 1931. E por aí fora. Um percurso tão idiossincrático, todo ele improvavelmente acessível (tendo em conta o currículo), generoso e reluzente.
GHÉDALIA TAZARTÈS
Artista francês de origem turca nascido em 1947, Ghédalia Tazartès permanece, ao longo de mais de três décadas de trabalho, uma figura incatalogável no panorama da criação musical. Dono de uma obra singular, tem vindo a empregar técnicas muito suas e constantes ao longo do seu percurso, com alterações relativas de meios. Utiliza gravações de campo cortadas e coladas desde a época da fita, teclados e eletrónica para resultados de um grão, estranheza e solenidade que lhe são muito particulares. Com a voz, é ritualisticamente invadido por várias viagens internas, que o levam de um francês real, a um outro inventado, passando por uma série de outras línguas, umas existentes, outras obra dos momentos que decide desenhar. Formalmente, será dos trabalhos de exploração das possibilidades da voz, do discurso e do uso pós-concretista da língua mais visionários nas últimas décadas. Procura tradições que incorpora de forma plástica, espiritualmente personalizada, pegando em heranças – frequentemente com pontos em comum, primariamente de ordem humana – que atravessam o planeta, buscando o seu conjunto de formas. Mais do que um trabalho de sobreposição de referências e vocabulários, ou até de uma amálgama amadurecida dos mesmos, cria o seu próprio país de tradições dentro de um outro continente cujo nascimento vai dependendo do seu contributo. Livre de questões de identidade e filiação cultural, livre para ser de uma nova maneira. Em tempos recentes tem mantido atividade discográfica e viajado por cada vez mais palcos, à medida que a lenda - e a sua dimensão - se alastram. Veremos onde vai a viagem neste Verão de 2014.
NORBERTO LOBO & JOÃO LOBO
Amigos de longa data ligados pela música, tendo feito parte da banda Norman ainda na adolescência, Norberto Lobo e João Lobo concretizaram o seu limiar entendimento simbiótico através da gravação de ‘Mogul de Jade’, o seu álbum de estreia publicado no Verão do ano passado na editora Mbari. O disco, e os concertos ao vivo pelo nosso país e noutras cidades europeias que se têm seguido, mostram o patenteado estilo abençoado do Norberto, sendo que aqui também se mune da guitarra elétrica para além do seu domínio magistral na acústica já sobejamente conhecido, assim como evidenciam o trabalho fabuloso do baterista, sediado em Bruxelas, João, com a sua marca singular de percussão tonal e assinalável riqueza textural que lhe granjeiam sempre elogios de quem o vê. Vêm ao Jardim das Esculturas oferecer-nos temas fixados no seu valioso disco, assim como novas composições que têm vindo a trabalhar, onde é notório o espírito destemido de dois músicos intuitivamente alinhados em se absterem de confiarem em méritos curriculares, mas antes embarcarem numa discernida procura por novos caminhos e renovadas formas de expressão no campo da música mais livre e desenredada de nomenclaturas.
TIMESPINE
Timespine são Adriana Sá, John Klima e Tó Trips e editaram este ano o admirável disco de estreia homónimo na Shhpuma. A cartografia musical do trio foi desenvolvida a partir das partituras gráficas de Adriana, versando sobre texturas e densidades, assim como oferecendo notações sobre estrutura, sequenciação e vocabulário. Trata-se de uma música envolvente, de nutrição artesanal e fruição hipnótica, sendo permeada pela improvisação para navegar com propriedade entre os pontos cardeais familiares dos campos da folk e da composição contemporânea. Adriana tem um abnegado percurso na música eletrónica experimental, destacando-se o seu consistente trabalho de pesquisa e prática no uso de tecnologia de sensores. Nesta formação opta por centrar-se fundamentalmente na abordagem à ‘zither’, que dedilha e aplica um arco de violino num elegante trabalho de exploração tímbrica do instrumento acústico. Tó Trips, que possui um legado incontornável na música nacional recente, dos Lulu Blind aos cada vez mais globais Dead Combo, ocupa-se aqui do dobro, onde a frase e o silêncio são argamassa de um registo distintivo folk. O californiano e baixista John Klima foi membro do grupo pop Presidents of United States of America, sendo reconhecido o seu trabalho no campo das artes visuais, construindo instalações eletromecânicas de larga escala operadas por software de jogos 3D que programa de origem, expondo regularmente no panorama internacional.
TROPA MACACA
Tropa Macaca são André Abel e Joana da Conceição, banda sediada em Lisboa a trabalhar no campo da composição contemporânea eletrónica. Com cerca de sete anos de parceria criativa e atividade pública, editaram a sua música em selos fundamentais do underground europeu e norte-americano como a Qbico e a Siltbreeze, tendo o mais recente 'Ectoplasma' sido lançado na nova-iorquina Software de Daniel Lopatin (Oneohtrix Point Never).
Até esse registo a música do duo pautou-se, de um ponto de vista estrutural, na execução de peças de longa-duração. Sempre intrépidas, pareciam, a cada vez, procurar desbloquear um sem número de questões de ordem poética, e progredir ao longo do seu curso ritual no sentido de chegar a sítios inauditos, onde a revelação os aguardava.
Em atuações dos últimos tempos, contudo, temos vindo a assistir a novos desenvolvimentos na prática da banda. Temas de duração mais variável apresentam maior quantidade de eventos, que se desenrolam – em escrita e interpretação – de maneiras novas e inesperadas. Surgem espaços mais do que ilustrados, habitados, a meio destas construções, que reordenam noções convencionais de tempo, narrativa e sucessão de eventos.
Como sempre tem sido o caso com a Tropa Macaca, torna-se muito complexo fazer referências a outros trabalhos artísticos passados, havendo mais semelhanças do ponto de vista tímbrico e textural (techno, house, os primórdios do catálogo da Warp, guitarras elétricas “fusionistas” dos anos 70 e 80), do que propriamente estruturas musicais familiares. Curiosidade grande para saber como se vão apresentar nesta sua primeira aparição num espaço ao ar livre em algum tempo, sendo que contam com atuações no currículo em eventos como o Serralves Em Festa ou o Boom Festival, deste duo que se sabe sempre inserir para se afirmar no espaço público.
KIMI DJABATÉ
Escritor de canções, vocalista, balafonista, guitarrista e crucial embaixador da cultura mandinga e guineense em Portugal e no mundo, Kimi Djabaté - é pacífico dizê-lo - é hoje um dos grandes artistas de palco a residir no nosso país, que também se tornou o seu, já há mais de uma década. Trata as suas canções com profunda noção de ofício, trabalhando-as com a precisão e o critério dos sérios e serenos. É filho de uma família secular de músicos, que se filiou na Guiné Bissau há mais de dois séculos, e é seu assunto vivencial, social e cultural tratar na forma de música as questões e resoluções de sempre e de hoje; a observação do mundo através da oralidade da música, algo que não tem como evitar tornar contemporâneo, sempre devidamente enriquecido por tanta tradição de o fazer. Contos sobre moral, ética, cidadania, honestidade, amor, família e as grandes questões existenciais. E mesmo que as palavras que lhe saiam da boca soem a ouvidos brancos como código, a transparência humana e emocional fala a língua de todos nós. Numa altura em que se dão os últimos toques para a edição do seu próximo álbum, podemos esperar várias canções dos seus anteriores 'Terike' e 'Karam', o último dos quais o seu primeiro álbum com boa distribuição a nível mundial, que lhe rendeu rasgadíssimos elogios da imprensa internacional, e uma constantemente preenchida agenda em palcos na Europa, América e Ásia. É com enorme prazer que o voltamos a receber no Jardim das Esculturas do MNAC, onde já nos ofereceu uma das grandes atuações que tivemos o privilégio de produzir ao longo dos anos para este ciclo.
MNAC - Museu do Chiado
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