17 Novembro 22:00 -
11 Janeiro 20:00
LUÍS PAULO COSTA . Pintado por cima
Cristina Guerra Contemporary ArtRua de Santo António à Estrela, 33
"Um protocolo é, por definição, o estabelecimento de uma ordem hierárquica que determina normas de conduta. Pensar como se deve agir perante uma obra de arte, considerando que existem formas próprias para analisá-la, pode ser entendido como o acto de um determinado protocolo. Esta crença produz uma formação anatómica designada de o “bom olho" (good eye), limitando-se a acreditar que o olhar está absolutamente certo, desde que, instruído na matéria.
A este, ao bom olhar, I. Rogoff propõe um “olhar curioso”, aquele que (se) questiona e que configura novos modos de ver. A curiosidade, uma apetência do homem comum, implica, desta forma, uma certa inquietude, fora do universo do conhecido, no prazer da descoberta do que está para além da superfície. É, pois, da ordem do empenhamento, da empatia emocional e física com a obra, quebrando, assim, o protocolo. A peça Ponto de Vista (2011) joga neste paradoxo. Por um lado, define um modo de posicionamento do corpo do espectador que lhe diz qual a maneira ideal de se situar perante a obra. Por outro, a sugestção de aleatoriedade, de livre arbítrio, a multiplicidade de escolhas e, igualmente, a dificuldade inicial na interpretação sobre o carácter "autoritário" e normativo destas marcas, sugerem uma outra atitude que o implica como um segundo criador, cuja consciência da sua posição física reside como o factor essencial. O movimento do espectador proporciona, assim, o mencionado “olhar curioso”.
Nas obras de Luís Paulo Costa, ao contrário da ordem protocolar, joga-se no risco e no improviso. Esta imponderabilidade pode ser encontrada na peça We use Red Balls (2011), definindo a atitude por parte do artista face ao espectador, numa interacção próxima da ideia de jogo. O vermelho das bolas de golfe estabelece, aqui, uma noção de perigo, associada à ideia de paragem, mas, ao mesmo tempo, à tentação lúdica que existe em qualquer um de nós. À semelhança das outras peças em exposição esta é uma obra "armadilhada".
Este acto quase revolucionário, de “baralhar o sistema”, torna-se um gesto artístico. É quase revolucionário pois não existe, aqui, nenhuma intenção explicitamente política ou de manifesto mas, apenas, o reconhecimento da verdade que a obra de arte, nomeadamente, a pintura, é uma superfície sujeita ao erro e ao imponderável. Mutável como a própria vida.
A maioria destes trabalhos parte de uma base fotográfica, que é encontrada de forma aleatória, como se o artista “tropeçasse” no museu imaginário das imagens do mundo. Posteriormente, esta é coberta por uma camada pictórica, daí resultando o título desta exposição: Pintado por Cima. A pintura funciona, assim, como uma segunda pele. O diálogo/confronto entre a imagem fotográfica e a pintura é um dos factores fundamentais para o entendimento desta exposição. Segundo R. Krauss, apoiada em P. Bordieu (Un Art Moyen), ver uma fotografia proporciona mais juízos repetitivos afirmando o "é isto" ou "é aquilo", nas limitações do estereótipo. A pintura cria uma ruptura com este pensamento, estabelecendo uma velocidade diferente da urgência contemporânea, humanizando o que parece maquínico e repetitivo. Mesmo que não seja única no tema, é-o na sua essência. Nestas obras, parece fazer com que o original fotográfico desapareça, apesar de continuar a ser fundamental para o artista que faz questão de o reforçar pelos títulos,
sugerindo quer o que está escondido como aquilo que o sobrepõe. Assim, a par da sua origem, estas imagens criam uma alter-realidade que se revela na sua corporalidade plástica. Para além de uma apropriação, trata-se de uma verdadeira recriação. É o que presenciamos, entre muitos outros exemplos, em Big Moon (2011). Esta obra parte de um snapshot feito no campo, pelo artista, à maior lua desde há duas décadas, evento que se deu no passado dia 19.03.11. O que daqui resulta é, provavelmente, o sentimento partilhado por todos nós quando nos decidimos a tirar fotografias à lua e a frustração de uma expectativa, uma vez que, o resultado é um pequeno ponto branco que nada revela da magnificência do objecto representado. Em termos pictóricos, é um círculo branco sob um plano negro, na abstracção da realidade,
todavia, da ordem do imaginário dos possíveis infinitos. Esta capacidade criativa, aliada a um olhar curioso, proporciona, assim, a quebra da norma, do comum, do ordinário.
Existe uma expressão do calão português que expressa o que aqui afirmamos: “borrar a pintura toda". Este acto (condenável por aqueles que acham que se deve “pintar direitinho”) representa, no entanto, o sentido criativo que sempre foi a verdade em pintura: que tudo se resume à forma como nos apropriamos subjectivamente do mundo ao nosso dispor, contra o protocolo do senso comum. O banal pode ser, afinal e sempre, verdadeiramente extraordinário..."
Carla de Utra Mendes
Transportes
Metro: Rato
Autocarros: 74, 709, 713, 720, 727, 738, 773
Eléctricos: 25, 28
Fonte e imagem:
http://www.cristinaguerra.com/exhibition.current.php